19 de março de 2016
A epidemia de zika trouxe, além do surto de microcefalia
que vem amedrontando o Nordeste brasileiro, principalmente, um temor em relação
à síndrome de Guillain-Barré. A doença autoimune não é uma novidade para a medicina,
mas sua possível relação com o vírus zika, sim. Desde que aumentaram os casos
suspeitos da infecção no Brasil, foi percebido também um crescimento no número
de pessoas afetadas pela Guillain-Barré. Nas últimas semanas, uma publicação na
inglesa The Lancet, uma das principais revistas científicas do mundo, veio
reforçar a relação. Os pesquisadores fizeram um estudo de caso do surto de zika
na Polinésia Francesa, entre outubro de 2013 e abril de 2014, mesmo período em
que foi observado o aumento dos casos da síndrome.
Segundo Paulo Caramelli, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do
Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da UFMG, tal evidência reforça a
importância da adoção de cuidados também em Minas, apesar de não termos casos
confirmados de Guillain-Barré atrelado ao zika, ao contrário do que já ocorreu
no Rio de Janeiro. Mas Caramelli alerta que foi percebido um quadro
diferenciado nos pacientes com a síndrome e que todos estão sendo submetidos a
exames para confirmar ou não a presença de anticorpos do zika no organismo.
Especialistas do HC/UFMG estão, inclusive, com médicos de outros serviços de
neurologia e infectologia no estado, preparando um protocolo que vai aliar a
prática clínica à pesquisa.
“É tudo muito novo. Não sabíamos exatamente com o que
estamos lidando. Até o fim de fevereiro, quando foi publicado o artigo do caso
da Polinésia Francesa, não tínhamos sequer evidências contundentes para essa
relação. Só suspeitas. Por enquanto, não percebemos aumento de casos em Minas,
mas estamos vendo situações atípicas e talvez seja uma relação. Precisamos
investigar”, diz. Segundo o professor, os exames desses pacientes não estão
prontos, mas se há indícios de aumento de casos em outros estados é preciso
aumentar a vigilância. “Um olhar mais cuidadoso para a síndrome de
Guillain-Barré deve ser o próximo passo das entidades de saúde”, prevê.
O especialista reconhece uma preocupação em âmbito
estadual e municipal, que há poucos dias promoveu um evento com recomendações.
“Estamos nos preparando. Os médicos residentes passaram por atualização sobre
as possíveis complicações da síndrome antes mesmo da publicação do artigo que
reforça a relação com o zika.
Segundo a infectologista Tânia Marcial, coordenadora do
Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde da Secretaria de
Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), apesar de não existir qualquer
notificação para Guillain-Barré associada a zika no estado, o fato de
vivenciarmos uma importante epidemia de arboviroses pode ser uma tendência a um
aumento no número de casos. O fato de não se saber porque algumas pessoas têm
mais tendência a desenvolver a síndrome exige cuidados.
“Normalmente, ela desenvolve o problema duas ou três
semanas após uma infecção (por dengue, zika, chikungunya, dengue ou HIV), ou
após vacinação. Mas em 40% dos casos não se identifica nem a causa. A síndrome
não chega a ser comum, nem em reação a vacinas, nem a doenças infecciosas, mas
temos relatos na literatura de em que país em epidemia de zika e chikungunya
(transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti) os casos de Guillain-Barré
aumentaram”, explica. O que há de novo é que na síndrome desencadeada pela
infecção por zika a evolução da doença é aparentemente mais rápida, sugerindo uma
maior gravidade, além dos anticorpos se voltarem contra o sistema nervoso
periférico. “O prognóstico não é ruim, desde que se reconheça e interne o
paciente para monitoramento precoce, para evitar possíveis complicações como a
insuficiência respiratória.
COMPLICAÇÕES A síndrome de Guillan-Barré é uma doença
autoimune em que o sistema imunológico passa a atacar o sistema nervoso por
meio da destruição da bainha de mielina, estrutura que recobre e protege os
nervos periféricos para garantir a velocidade das transmissões nervosas. As
causas principais são reações a infecções causadas por vírus e bactérias, assim
como a cirurgias, vacinação, traumas, gravidez, linfomas, gastroenterite aguda
e infecção das vias respiratórias altas.
Segundo Gustavo Daher, coordenador do serviço de
Neurologia do Hospital Mater Dei e professor na Faculdade de Ciência Médicas de
Minas Gerais, os principais sintomas são parestesias (alterações da
sensibilidade, sensação de coceira, queimação, dormência e formigamento nos
braços e pernas), fraqueza muscular progressiva e ascendente e perda dos
reflexos.
O diagnóstico é feito por meio de avaliação clínica e
neurológica, além de análise laboratorial do líquido cefalorraquiano. E para
tratar pode-se recorrer à plasmaférese – técnica de filtragem do plasma do
sangue – e à administração intravenosa de imunoglobulina, medicamento
disponível da rede pública de saúde. Cerca de 80% dos pacientes têm uma
evolução benigna do quadro, mas os demais podem desenvolver paralisias,
inclusive da musculatura respiratória, o que pode levar à morte.
O médico conta que já atendeu três casos da síndrome este
ano, nenhum deles atrelado à zika. “Mas desde que surgiu essa relação, o exame
para identificação do vírus zika também precisa ser feito nesses pacientes”,
explica.
FORTE EVIDÊNCIA
O estudo publicado pela The Lancet observou 42 pacientes
diagnosticados com Guillain-Barré. Desses, 41 tinham anticorpos anti-zika
vírus, o que confirma que foram expostos ao patógeno. Esses pacientes foram
comparados com pessoas que tiveram infecção pelo zika, sem manifestações
neurológicas do Guillain-Barré e também a um grupo de pessoas com a doença não
infecciosa. As conclusões mostram que todos expostos ao zika tinham o
anticorpo, mas eles foram mais comuns em que teve Guillan-Barré, principalmente
um anticorpo do tipo Igm, que demonstra uma infecção aguda. É essa evidência
que sugere, fortemente, a relação entre a infecção por zika, a criação de uma
imunidade contra o vírus e daí o aparecimento dos sintomas de Guillain-Barré.
Fonte: Estado de Mina/MG:
21/03/2016